Catástrofe natural no Rio Grande do Sul

Vista aérea de Eldorado do Sul (RS) na tarde de terça-feira
Imagem: Defesa Civli do Rio Grande do Sul

Nota Técnica ProfÁgua UFRGS

A catástrofe natural pela qual o Estado do Rio Grande do Sul está passando já se coloca como algo sem precedentes na história. Os volumes de chuva registrados no período de 20 de abril a 03 de maio de 2024 foram superiores a 800 mm em algumas cidades gaúchas e causaram inundações que atingiram 417 municípios. Praticamente 90% do estado foi impactado. As consequências de caráter ambiental, econômico, social, parcialmente mapeadas até o presente momento, já se mostram como de grande proporção e ainda devem aumentar significativamente.

Desastres e catástrofes não são uma novidade no cenário ambiental e esta também é uma razão para que medidas de prevenção possam ser desencadeadas e pensadas. Os resultados de diferentes pesquisas são claros ao apontar o risco iminente de novas catástrofes como essa. Não há mais espaço para desinformação ou descrédito. O que ocorreu no Rio Grande do Sul só encontra paralelo com o ocorrido em 1953 na Holanda, país este que possui ¼ de seu território abaixo do nível médio do mar. Os holandeses decidiram que não permitiriam mais que o evento de 1953 se repetisse e investiram em obras de infraestrutura de defesa contra as inundações que foram construídas ao longo das décadas posteriores. Em 2014, a Europa sofreu novamente com as enchentes, Inglaterra, Croácia, Alemanha, Bósnia e muitos outros países foram atingidos. A Holanda não. Sua infraestrutura garantiu-lhe segurança para esse evento.

Após as inundações de 1941 no Rio Grande do Sul, que atingiu a marca de 4,74 m e, novamente em 1967 com a marca de 3,13 m, ficou evidente a necessidade da construção de um sistema de proteção contra as enchentes. Em 1968 foi definido o projeto de todo o sistema de proteção, que foi construído na década de 1970. A obra ficou conhecida como os “Diques Mauá”, que contam atualmente com 68 km de extensão. Anos sem manutenção adequada levaram o sistema a falhar, levando a inundação da capital gaúcha novamente esse ano, sendo que sua magnitude foi a maior já registrada.

No contexto nacional, o estado do Rio Grande do Sul foi um dos pioneiros tanto na inovação em pesquisas hidrológicas e hidráulicas, quanto na implementação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Nas estimativas de eventos extremos, previsão e modelação de fenômenos adversos, o IPH-UFRGS trabalha desde a década de 80 e muitas das diretrizes de projetos de engenharia são suportados pelos resultados consistentes dessas pesquisas. Já na esfera de diretrizes do gerenciamento, o estado foi um dos primeiros a apresentar uma Política Estadual de Recursos Hídricos.

Qual é o alerta deixado pelos recentes eventos extremos catastróficos? Que não é impossível que o improvável nunca aconteça! (GUMBEL, Statistics of Extremes, Columbia University Press, New York and London, 4th edition, 1957, pag. 201). A ocorrência desses eventos catastróficos generalizados, cuja magnitude ainda não existia nos registros oficiais evidenciam que nossas estimativas sempre estarão “olhando para o passado” e há necessidade de constante atualização das séries hidrológicas, visando aprimorar o aparato de ferramentas de prevenção. Séries hidrométricas de longo período no Brasil e no exterior demonstram uma variação decadal do clima. Períodos longos mais úmidos são substituídos por períodos também longos mais secos. Nossa engenharia não está familiarizada ainda com essas oscilações de longo termo e, por isso, são ignoradas. As séries naturais não são homogêneas e, por este motivo, estes períodos devem ser separados para não perdermos a informação mais importante para o dimensionamento e projeto de futuras infraestruturas e adequação das existentes. Não podemos considerar que o clima seja invariável e que os períodos de retorno dos eventos são os mesmos daqueles indicados nos estudos de concepção, geralmente calculados em séries curtas de registros hidrométricos históricos.

Nesse momento, todo o esforço está direcionado para ações emergências que buscam resguardar vidas (em primeiro lugar) e para a infraestrutura comprometida. Estamos atravessando o período crítico cujas ferramentas são para o cenário de crise. Após essa fase de gerenciamento de crise, será necessária uma nova etapa no planejamento, quando esse “trágico” registro dos eventos recentes trará novas perspectivas quanto às ações necessárias para previsão das inundações e quanto à magnitude das catástrofes.

Nesse contexto ficou demonstrada, a necessidade da manutenção das estruturas existentes e da realização de exercícios de simulação, junto com a população, de como agir em situações de incêndios, inundações e terremotos. Pagamos um preço muito alto pela nossa desorganização como sociedade e devemos aprender com nossos erros, para que nossos filhos e netos não venham a vivenciar o que hoje lamentamos. Infelizmente a construção de conhecimento da humanidade foi marcada por muita dor e conquistada com os poucos acertos. A prevenção a eventos extremos precisa compor a rotina dos órgãos públicos, pois desastres hidrometeorológicos ou hidrológicos como este tendem a se repetir. Ações que envolvam monitoramento e alerta antecipado; planejamento urbano sustentável; preservação ambiental; investimentos em infraestrutura resiliente; educação ambiental e o acesso à informação, compõem um escopo mínimo de um planejamento que se destina a evitar novas catástrofes ambientais.

Um paralelo que nos vem à memória são os desastres dos rompimentos das barragens mineiras de Mariana, seguida por Brumadinho. Após o acidente, todo o sistema nacional para Gerenciamento de Risco de Rompimento de Barragens foi alterado, visando antever esses significativos acidentes, por meio do monitoramento periódico e permanente dessas obras, aprimorando o PAE – Plano de Ação Emergencial, que são as diretrizes das ações a serem acionadas na iminência do rompimento e durante o acidente. O mesmo deve ocorrer com o risco de inundações. Ferramentas aprimoradas para previsão dos eventos extremos, sistemas de alertas eficientes e de “longo alcance”, agilidade para divulgação da informação e, principalmente, elaboração de Planos de Ações efetivos para controle da ocorrência, sobretudo nas regiões de risco à inundação, devem fazer parte desse processo.

Conforme já informado em nota técnica publicada pelo IPH da UFRGS, logo após as inundações ocorridas no mês de novembro de 2023, “pesquisas científicas recentes baseadas em análises de séries históricas mostram que as vazões de cheias têm aumentado nos últimos anos no sul do Brasil (Chagas et al., 2022). Além disso, estudos conduzidos por pesquisadores do IPH, considerando projeções de mudanças climáticas, apontam para aumento na magnitude e na frequência de cheias no estado do Rio Grande do Sul (Brêda et al., 2023)”. Esse, infelizmente, será o “novo normal”.

Nos solidarizamos com todos aqueles que de forma direta ou indireta foram atingidos, em especial, professores, alunos, funcionários, familiares da instituição e lamentamos profundamente a perda de vidas decorrentes desse desastre. Os pesquisadores do Mestrado Profissional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que assinam essa nota colocam-se à disposição para contribuir com estudos, pesquisas e cursos para os Gestores Municipais e Estaduais como forma de aprimorar a gestão integrada dos recursos hídricos e minimizar os riscos decorrentes das mudanças climáticas.

Dr. Antonio Carlos Zuffo Dr. Cristiano Poleto; Dr.ª Luciana Turatti; Dr. Marco Antonio Jacomazzi ;Dr.ª Maria Cristina de Almeida Silva

Compartilhe