A prefeitura de Porto Alegre deu mais um passo no propósito de conceder parte dos serviços prestados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). A intenção, conforme projeto de lei entregue na quarta-feira à Câmara de Vereadores, é repassar à iniciativa privada tarefas como a distribuição da água e a coleta e o tratamento do esgoto. Seguem com a autarquia as atribuições de captar e tratar a água, a drenagem urbana e as obras de contenção de cheias. Ainda que gere ruído político e dúvidas pertinentes nos porto-alegrenses, deve-se deixar claro: é uma iniciativa indispensável para cumprir a legislação nacional da área, seguida por outros Estados e municípios, e será benéfica à coletividade, com ganhos para a saúde e o ambiente.
O marco legal do saneamento diz que o país deve chegar a 2033 com 99% da população com acesso à água tratada e ao menos 90% com coleta e tratamento do esgoto. Porto Alegre já cumpre os dois primeiros objetivos, mas tem um quadro insatisfatório quanto ao percentual dos rejeitos tratados. Segundo a prefeitura, seria de apenas 52,8%. Um olhar em perspectiva é possibilitado pelo ranking do Instituto Trata Brasil. O mais recente, divulgado em 2024, mas com dados de 2022, indica uma taxa de 55%, com a 18ª colocação entre as 27 capitais brasileiras. É a pior posição do Sul e do Sudeste.
O ritmo de avanço do Dmae nos últimos anos mostra-se insuficiente para atingir a meta do marco do saneamento. Em 2018, cinco anos antes, o percentual de esgoto tratado era de 49%. É notório que as estatais não contam com recursos para os investimentos necessários. Ademais, estão sujeitas a burocracias que tornam as obras mais lentas. Entre 2018 e 2022, a autarquia aplicou média anual de R$ 80 por habitante. Só seis capitais fizeram desembolsos menores. Com a realidade escancarada, só resta o pragmatismo.
Elevar o nível de tratamento significa despejar menor carga de poluentes em mananciais hídricos e proteger o bem-estar da população. Outro estudo do Trata Brasil mostra o impacto na saúde. No ano passado, 12.222 pessoas foram internadas no RS por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI), como diarreias, cólera, hepatite, dengue e leptospirose. Universalizar o saneamento, por consequência, gera menor pressão de gastos no sistema público de saúde.
Um concessionário privado também é capaz de reduzir ineficiências. Em Porto Alegre, 27% da água tratada é desperdiçada, perdida ao longo da distribuição. Isso gera consequências financeiras. O índice de perda de receita – água produzida e não faturada – chega a 35%. Ser mais eficiente contribui para elevar os ganhos econômicos da operação e para a modicidade tarifária.
Há pendências importantes que ainda precisam ser definidas ou melhor esclarecidas. É preciso saber, por exemplo, como será a regulação do contrato entre município e concessionária. A discussão na Câmara será oportunidade para um debate sério sobre o tema. Também deve-se cobrar que a prefeitura, com os recursos que irá receber, seja mais competente nos papéis que manterá, como a produção de uma água sem gosto de terra e uma drenagem urbana adequada para que a cidade não alague a cada chuva um pouco mais forte.
23 de maio de 2025
Fonte: editorial grupo RBS