São necessários R$ 242,5 bilhões para readequar toda a infraestrutura residencial de saneamento no Brasil, aponta estudo

O Instituto Trata Brasil, organização que busca a universalização do saneamento no país, em parceria com a EX Ante Consultoria Econômica, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento (ASFAMAS) e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), divulgam o estudo inédito “Necessidade de investimentos em reformas da infraestrutura residencial de saneamento no Brasil – Potencial mercado e políticas públicas”, que tem por objetivo mensurar a necessidade de obras de reposição e readequação da infraestrutura residencial intramuros (que considera a residência e áreas adjacentes) de saneamento no país.

Estima-se que seriam necessários R$ 242,5 bilhões (valores a preços de 2023) para readequar toda a infraestrutura residencial de saneamento no Brasil. Se essas obras fossem realizadas ao longo de dez anos – entre 2023 e 2033, por exemplo – a readequação da infraestrutura iria requerer investimentos adicionais de R$ 24,3 bilhões por ano. Isso constitui um esforço financeiro bastante elevado, visto que as famílias brasileiras despenderam cerca de R$ 13,0 bilhões com reformas da infraestrutura de saneamento em 2018 (valores a preços de 2023).

As obras de reposição são realizadas, em geral, de forma esporádica pelas famílias com a finalidade de repor a depreciação das instalações ou de modernizar os acabamentos. Todos os anos, uma a cada dez famílias fazem reforma nas instalações sanitárias de suas residências.

Por sua vez, as obras de readequação englobam a construção ou instalações dos equipamentos ausentes nas moradias, mas que se considera que sejam essenciais ao bem-estar dos moradores. Seria o caso, por exemplo, da instalação de uma caixa d’água, ou ainda, da ligação do escoamento de esgoto da residência à rede geral de coleta de esgoto, importante para diminuir a poluição dos rios e a incidência de doenças de veiculação hídrica, além de melhorar a qualidade de vida da população

COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

Como as famílias brasileiras gastam com materiais de construção e mão de obra para a manutenção, reparo, reforma e construção de infraestrutura residencial de saneamento? E quais seriam esses materiais?

Materiais para infraestrutura residencial de saneamento e seus grupos

De acordo com a mais recente “Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)”, realizada pelo IBGE em 2018, aproximadamente 8,8 milhões de consumidores realizaram despesas com materiais de construção para a infraestrutura residencial de saneamento ao longo do ano. Desse total, 4,3 milhões de famílias realizaram despesas para a manutenção e reparos da infraestrutura existente e 4,4 milhões, para a reforma ou construção da infraestrutura.

Quando se agregam as despesas por família (ou unidade de consumo), chega-se naturalmente a um número menor de famílias consumidoras. Em 2018, foram 6,6 milhões de famílias que realizaram essas despesas. O número de famílias que realizaram obras de infraestrutura residencial de saneamento correspondeu a 31% do total de unidades de consumo brasileiras que realizaram algum tipo de obra em suas moradias em 2018, cujo número alcançou a cifra de 21,357 milhões de unidades de consumo.

Já os valores totais das despesas realizadas pelas famílias brasileiras em 2018 com materiais de construção para a infraestrutura residencial de saneamento alcançaram a cifra de R$ 9,0 bilhões, sendo R$ 5,2 bilhões de despesas com materiais para manutenção e reparo e R$ 3,8 bilhões para construção e reforma.

Em termos de valor médio das despesas familiares, o Sul reúne as famílias que mais despendem com infraestrutura residencial de saneamento, com gastos médios anuais por família de R$1.678,74. Santa Catarina foi o estado que elevou a média da região, com despesas médias de R$ 2.254,56 em 2018. Na sequência vê-se a região Sudeste, com despesas médias de R$1.525,89. Nesse caso, a média regional foi puxada pelas despesas realizadas pelas famílias capixabas, de R$1.843,91 em 2018. As demais regiões registraram despesas médias mais reduzidas, em especial o Nordeste, cuja média ficou abaixo de R$ 1.000,00.

Distribuição do número de obras de infraestrutura residencial de saneamento: vê-se uma forte concentração de unidades de consumo que adquiriram materiais de construção para obras de infraestrutura residencial de saneamento na faixa de rendimento familiar que vai de R$ 2.862,01 a R$ 5.724,00. Essa é uma faixa de renda populosa (30,2% do total da população brasileira) e que tem poder de compra suficiente. Mas há uma parcela grande nas faixas inferiores de renda: as unidades de consumo com renda até R$ 2.862,00 responderam por 32,7% do total de famílias que adquiriram esses materiais de construção. As faixas de renda mais elevada apresentaram participações naturalmente menores devido à proporção também menor de famílias nessas classes de renda.

Distribuição do número de obras de infraestrutura residencial de saneamento por faixa de renda domiciliar, em (%) do total, 2018

A participação das famílias de baixa renda no valor total das despesas foi menor (23,3%), ao passo que foi proporcionalmente maior a participação das famílias com renda mensal superior a R$ 5.724,21 – essas faixas responderam por 34,0% do número de consumidores e 47,5% do valor total das despesas com materiais de construção para obras de infraestrutura residencial de saneamento.

 

INFRAESTRUTURA RESIDENCIAL DE SANEAMENTO

De acordo com a análise feita com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada do ano de 2022, foram consideradas cinco dimensões do problema da privação de acesso aos serviços de saneamento:

  • Privação de acesso à água, que é a falta de ligação da moradia na rede geral de distribuição de água tratada dos municípios;
  • Falta de canalização dentro da moradia: aqui estão reunidas as moradias que não têm acesso à água dentro de suas residências, ou seja, não há tubulação para distribuição de água na área molhada;
  • Indisponibilidade de reservatório: é muito importante ter mente que a caixa d’água é um equipamento fundamental para fazer um ‘colchão’ no recebimento de água e promover uma adequação do fluxo da água que vem da rua com o fluxo da água utilizado dentro das moradias, caso contrário há o imediato desabastecimento de água dentro das moradias quando há instabilidade no sistema de distribuição;
  • Insuficiência de banheiro: entendida como as moradias que têm um número pequeno de banheiros para o tamanho do domicílio, o que leva a um adensamento excessivo do número de pessoas por banheiro; a premissa de adequação é a existência de no máximo três pessoas adultas por banheiro;
  • Falta de coleta à rede de esgoto: entendida como a inexistência de ligação ao sistema público de escoamento sanitário. A ligação da fossa séptica à rede geral também e considerada adequada.

Do total de famílias sem acesso à água tratada, 41,4% pertenciam à primeira faixa de rendimento mensal domiciliar. Um número também bastante elevado ocorria nas duas faixas seguintes, com rendas mensais entre R$ 1.908,01 e R$ 2.862,00 e renda entre R$ 2.862,01 e R$ 5.724,00. Essas faixas, responderam respectivamente por 21,0% e 25,8% do total de famílias sem acesso à água tratada. Percebe-se que, conforme cresce a faixa de renda, cai a participação do grupo na situação de privação.

As mesmas privações analisadas no estudo “A vida sem saneamento: para quem falta e onde mora essa população?”, lançado em 2023 pelo Instituto Trata Brasil Moradias em situação de privação de acesso aos serviços de saneamento básico, por faixa de renda domiciliar mensal, 2022: um ponto importante a se notar é que a falta de canalização é ainda mais concentrada na baixa renda: 57,3% do total dos casos estava na primeira faixa de renda. Então, cruzando as informações, veem-se casas pobres, sem canalização e situadas no meio rural brasileiro. Aqui também se percebe uma redução da participação conforme cresce a faixa de rendimento mensal domiciliar. A disponibilidade de reservatórios tem uma distribuição bastante semelhante com a falta de acesso à água tratada, o que indica uma correlação forte dessas duas dimensões.

Também a falta de coleta de esgoto tem um padrão relativamente próximo a esses dois processos de indisponibilidade de reservatório e de acesso à água tratada.

A insuficiência de banheiro tem um perfil de faixa de renda um pouco diferente das demais, com uma concentração maior nas famílias com renda entre R$ 2.862,00 e R$ 5.724,00 por mês. Isso se explica pelo fato de envolver moradias altamente adensadas, as quais contam com um número maior de pessoas com fonte de rendimentos. Portanto, essas famílias tendem a ter uma renda per capita baixa, mas uma renda domiciliar relativamente maior.

INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS PARA READEQUAÇÃO DA INFRAESTRTURA

As obras de readequação englobam a construção ou instalações dos equipamentos ausentes nas moradias, mas que se considera que sejam essenciais ao bem-estar dos moradores. Com base nos dados das carências de infraestrutura de saneamento apontadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada do ano de 2022, seriam necessários R$ 242,5 bilhões (valores a preços de 2023) para readequar toda a infraestrutura intramuros/residencial de saneamento no Brasil. Cerca de 75% do investimento necessário para a readequação da infraestrutura de saneamento do país está em moradias com renda de até R$ 5.724,00 mensais, ou seja, em famílias pobres ou da classe de renda média baixa. Esse fato levanta a questão das políticas necessárias para sustentar esse patamar de investimentos nesses segmentos da sociedade brasileira.

 

POLÍTICAS PÚBLICAS

As análises desenvolvidas sobre o mercado potencial de reformas na infraestrutura residencial de saneamento no Brasil levantaram informações que apontam para muitas direções. Um ponto novo que surgiu da discussão decorre da composição dos investimentos entre obras de reposição e obras de readequação, em que é relativamente elevada a necessidade de fundos para o financiamento das despesas com a readequação. Esse ponto remete diretamente à questão das políticas públicas de crédito e de subsídio. Nas classes de renda mais baixa, além de serem elevadas as necessidades de fundos para a readequação, as participações dessas obras no total dos investimentos são mais elevadas. Na primeira faixa, as despesas com readequação alcançam 42% das despesas totais com obras de reposição e readequação, enquanto na média das famílias, essa participação é estimada em apenas 31%.

Isso significa dizer que além de concentrada nas faixas de renda mais baixa, essa demanda envolverá um esforço maior das famílias. Dado que essas carências constituem uma demanda reprimida das famílias, a insuficiência de renda é diagnosticada como a principal causa.

Coincidente com a falta de renda, as condições menos favoráveis de inserção no mercado de trabalho agravam a situação, na medida em que tornam o crédito mais caro e escasso para as famílias mais pobres. Nesse sentido, a efetivação de um cenário de extinção dos déficits de infraestrutura residencial de saneamento até 2040, com redução mais acelerada até 2033, passa necessariamente pela discussão de uma política pública que oriente fundos e regramentos para o financiamento de médio e longo prazo dessas inversões, considerando uma combinação

adequada de dívida e subsídio para viabilizar a demanda em todas as classes de rendimento domiciliar.

Outra questão que surge é o desafio empresarial de atender a essa demanda potencial com produção suficiente. As estimativas indicam que a despesa poderá passar de R$ 13,5 bilhões no ano de 2022 para R$ 35,7 bilhões por ano na média do período entre 2023 e 2040 (cenário mais otimista). Mantida a proporção entre despesas com materiais e com mão de obra, isso implica um crescimento potencial de ao menos 5,6% ao ano nesse período. Essa é uma trajetória que irá demandar novos investimentos em plantas industriais e centrais de distribuição, com mudança de escala para todos os segmentos envolvidos.

Nesse sentido, a sinalização de uma política nacional para tratar o tema do financiamento dos investimentos necessários para a universalização do saneamento intramuros pode alterar a perspectiva de longo prazo das indústrias, incentivando o planejamento para a ampliação da capacidade instalada. Políticas de governo como o Programa Nova Indústria Brasil do MDIC, que facilita o crédito para o investimento em nova capacidade instalada terá papel fundamental no momento em que houver o aumento da demanda ou a percepção de que esse aumento virá em pouco tempo.

CONCLUSÃO

Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, a infraestrutura intramuros de saneamento é uma das mais importantes etapas para o desenvolvimento do saneamento básico, mas é muitas vezes negligenciada. “Precisamos de políticas públicas que também pensem esse lado do saneamento básico. Sem essa etapa não adianta o município ter oferta de água, coleta e tratamento de esgoto se isso não chega na casa do cidadão. Por impactar mais as pessoas com menor renda, como visto no estudo, sem um olhar adequado do governo para essa questão não conseguiremos universalizar de fato o saneamento até 2033”, afirma a executiva

Para Edson Silveira, Diretor de Relações Institucionais e Governamentais da ASFAMAS, “não basta universalizar a infraestrutura extramuros do saneamento se remanescem carências dentro das residências. Estamos falando de famílias que não têm sequer tubulação de água e esgoto, caixa d’água, pia e banheiro. Jogar luz neste problema é o primeiro passo para compreendemos e planejarmos as ações que precisaremos adotar nos próximos anos, focando a política pública e destinando subsídios e crédito para as famílias certas”.

Para Marina Grossi, presidente do CEBDS, “é impossível pensar em desenvolvimento sustentável sem levar em consideração a universalização do saneamento, e este é um tema que requer atuação conjunta do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil. Este estudo

deixa claro que, para alcançarmos os mais de R$ 240 bilhões necessários para readequar toda a infraestrutura residencial de saneamento no Brasil, precisaremos de políticas públicas eficazes e de investimentos do setor privado, para garantir a produção dos materiais necessários e mão de

obra qualificada. Trata-se de um estudo muito relevante e estamos felizes por contribuir. A agenda da universalização do saneamento é muito cara para o CEBDS e suas associadas, e

tenho certeza de que os dados reunidos aqui nos ajudarão a construir importantes soluções”.

 

Fonte: Instituto Trata Brasil

Confira o estudo na íntegra.

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